De um internato no Rio a uma nova vida em Saquarema, a história de amor começou ainda na infância e se estende à terceira idade.

Todas as manhãs, eles se arrumam sozinhos e seguem juntos até o Centro Dia de Saquarema, um espaço de acolhimento a idosos em vulnerabilidade social. Ela segura o braço dele. Ele guia os dois como tem feito há mais de 60 anos. Não enxergam com os olhos, mas o que têm é uma visão rara do amor.

Célia Maria Gorito dos Santos e Celso Martins dos Santos começaram a escrever essa história ainda na infância, em um internato no Rio de Janeiro. Ela, de uma família de imigrantes brancos italianos, nasceu em Mendes, Região Serrana do Rio. A cegueira que herdou é uma realidade compartilhada com mais dez irmãos, resultado da sífilis do pai. Ele, menino preto do subúrbio carioca, perdeu a visão antes dos sete anos. Foi no Instituto Benjamin Constant que seus caminhos se cruzaram, entre aulas de Braille, encadernação, tipografia e as primeiras conversas que logo se transformaram em cumplicidade — que, mais tarde, virou amor.

“Ele me conquistou com barras de chocolate”, ela contou. Não foi fácil convencer a mãe, que era contra a união por causa da cor da pele da família de Celso. “Era como se o mundo estivesse contra nós”, lembra Célia. Mas ele não desistiu. Para provar à sogra que era capaz de sustentar um casamento, fingiu que tinha alugado uma casa. Levou as duas para uma visita mesmo sem poder arcar com o lugar. E, no fim, a vida ajudou: a casa foi realmente alugada, com a ajuda da própria mãe e de amigos, a união se firmou.

Moraram por mais de 20 anos em Nova Iguaçu, em um lar pequeno, sem esgoto nem água tratada. Criaram cinco filhos, todos com orgulho e muito suor. Celso era camelô, desde cedo teve a ajuda da filha mais velha nas despesas da casa. Uma vida difícil, mas cheia de afeto, que levou um dos filhos ao ensino técnico e outros três à faculdade.

Há cerca de 10 anos, quando a filha mais velha se mudou para Saquarema após um casamento conturbado, eles foram atrás. A saudade era maior que o medo de recomeçar. Foi nessa nova fase que o Centro Dia entrou em cena. Com ele, uma nova forma de viver a velhice.

“Quando estamos lá, é como se o tempo não tivesse passado. Rimos, criamos e nos sentimos vivos”, conta Célia. Mantido pela Prefeitura de Saquarema, o lugar oferece oficinas de artesanato, rodas de conversa, apoio psicológico, e, acima de tudo, convivência. “Quando não há Centro Dia, é uma tristeza”, ela admite.

O espaço tem três unidades em Saquarema e ganhou até apelido na cidade. A “creche do vovô” acolhe pessoas acima de 60 anos em situação de vulnerabilidade ou risco social e proporciona um ambiente seguro e acolhedor. O Centro Dia proporciona algo que muitos idosos como Célia e Celso carecem: uma rotina.

O Centro Dia é gratuito e oferece serviços para cadastrados no CadÚnico e com residência em Saquarema há mais de 5 anos. É ofertado bem mais que o básico para quem mais precisa: aulas de pintura, artesanato, oficinas de horta, espaço da beleza, pilates, atividades físicas, atendimento psicossocial, serviços de enfermagem e acompanhamento nutricional. Tudo pensado para promover o envelhecimento ativo e garantir qualidade de vida.

“É política pública, mas também é afeto. O Centro Dia é um investimento da prefeitura na terceira idade, para que idosos como Celso e Célia possam envelhecer com saúde e felicidade. O ambiente é planejado para estimular a autonomia dos idosos, fortalecer vínculos sociais e prevenir o isolamento, tão comum nessa fase da vida”, ressalta Joice Terra, secretária de Desenvolvimento de Saquarema.

Célia tem 77 anos e Celso, 81, iniciativas como o Centro Dia estimulam a independência do casal. Eles pagam as próprias contas, lavam roupa, cozinham. Ligam para a filha todo dia, só para dizer como foi o dia. “É um momento especial para nós”, contam.

É a prova de que a inclusão transforma vidas. “Ela nos permite superar barreiras e construir um futuro melhor para todos. O Centro Dia é um exemplo disso. Ele nos mostra que, com apoio e oportunidades, é possível viver uma vida digna e feliz em qualquer idade”, afirma Célia. É com o apoio do espaço que o casal continua a escrever a própria história repleta de afeto, superação de barreiras e amor — aquele mesmo de décadas atrás, que começou com chocolate e resistência.

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